Reflexos do covid-19 no Direito Penal


No Brasil, até o término da redação deste texto, foram confirmados 244.135 casos positivados da Covid-19 e 16.203 óbitos, segundo dados do Conselho Regional de Medicina de SP. Com a disseminação da pandemia, é indiscutível que os costumes sociais foram radicalmente modificados, que por óbvio acarretou na readequação dos hábitos criminais. Com as restrições trazidas pela Lei 13.979/2020, em especial a quarentena e o isolamento (separação de doentes ou contaminados pela covid-19), inúmeras dúvidas tomaram conta da sociedade sobre os crimes que atingem a saúde pública.

O cidadão honesto, trabalhador que descumprir as determinações da quarentena pode ser processado criminalmente? E os crimes de alto índice social como homicídio, roubo, tráfico de drogas, pedofilia, estupro, continuam a ser praticados na mesma proporção com as mudanças dos hábitos criminais? Devido à complexidade do tema, neste artigo vamos abordar a primeira indagação, deixando a segunda para o texto da próxima semana.

Devemos analisar a questão partindo do mais relevante bem jurídico tutelado em nossa Constituição, o direito à vida. Com o fim de assegurar a vida humana, o Código Penal a tutela em vários tipos da parte especial. Considerando que pandemia é o contágio de número indeterminado de pessoas por uma doença de caráter global, três tipos previstos no Código Penal, podem ser considerados com potencial incidência neste período.

O mais grave é o previsto no art. 297, “causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos”, apenado com reclusão de 10 a 15 anos, sendo a pena duplicada em caso de morte. No caso da covid-19 no Brasil, trata-se de crime impossível, já que a pandemia já está instalada; a configuração do crime de epidemia é de difícil comprovação.

Contudo, a infração de medida sanitária preventiva prevista no artigo 268 do Código Penal “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, com pena de detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa, sendo aumentada em 1/3 se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, é mais fácil de consumação neste período de pandemia. Assim, aquele que dolosamente, não obedecer ao isolamento e a quarentena poderá responder pelo crime.

Os profissionais da saúde que desobedecer às normas de isolamento, deixando de separar os doentes da covid-19 confirmados nos hospitais, poderá responder pelo crime do artigo 268 do CP, com o aumento de pena em 1/3 da pena. O cometimento da referida infração penal, como regra geral, não comporta prisão em flagrante, por se tratar de infração de menor potencial ofensivo. Por fim, poderá ainda ser praticado o crime de lesão corporal previsto no artigo 129 do CP “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, com pena de detenção, de 3 meses a 1 ano na modalidade simples. Referida infração penal admite ainda as formas qualificadas, quais sejam: – lesão grave com perigo de vida, com pena de reclusão de 1 a 5 anos, e a lesão seguida de morte com pena de reclusão de quatro a doze anos.

Admite-se ainda a modalidade culposa do delito com pena de detenção, de 2 meses a 1 ano. Melhor explicando, se uma pessoa contaminada, com o intuito de infectar outrem, espirra no rosto deste, visando à transmissão do vírus, e atinge seu objetivo, cometerá o crime na modalidade simples. No caso da vítima se enquadrar no grupo de risco, poderá configurar uma das formas qualificadas. A estatística prova que os locais que flexibilizaram o isolamento estão em constante aumento dos índices da doença, assim, em homenagem ao direito a vida sou pela manutenção das posturas indicadas pelos profissionais da saúde em manter a quarentena.

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