Quando
as primeiras horas de 2021 despontaram, um ambiente de incertezas marcava o
horizonte de curto prazo do Reino Unido. A disseminação descontrolada de
variantes do coronavírus levava a pandemia a seu ápice no país, enquanto
agentes econômicos tentavam mensurar o impacto do recém-formalizado Brexit, o
“divórcio” com a União Europeia. Cinco meses depois, o pessimismo dá
lugar a um clima de confiança na nação insular, que colhe os frutos de uma
campanha de vacinação acelerada. “Praticamente para onde quer que você
olhe, há sinais de que o rigoroso inverno econômico está finalmente
derretendo”, resume o economista James Smith, do ING.
Após decretar lockdown nacional em janeiro, o governo apostou na imunização
como chave para o retorno à normalidade. Mais de 34 milhões de pessoas já
receberam ao menos uma dose de imunizante no país, o que equivale a 52% da
população britânica. A meta é chegar a julho com todos os adultos tendo
recebido pelo menos uma das injeções.
Com a luz no fim do túnel, aos poucos, bares, restaurantes e lojas voltam a
abrir as portas ao público e os indicadores macroeconômicos já refletem a nova
realidade. Em abril, os índices de gerentes de compras (PMI,na sigla em inglês)
de serviço e indústria subiram ao nível mais alto desde o início da crise
sanitária. As vendas no varejo em março saltaram 5,4% na comparação com o mês
anterior e já estão acima dos níveis de fevereiro de 2020, antes do choque da
covid-19. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o Produto Interno
Bruto (PIB) britânico registrará expansão de 5,3% em 2021 e de 5,1% em 2022.
A recuperação uniforme deve fomentar a rápida reestruturação do mercado de
trabalho, na visão de Smith, do ING. Embora o Produto Interno Bruto (PIB) tenha
encolhido ao ritmo recorde de 9,9% em 2020, o impacto da recessão no emprego
foi limitado por custosos programas fiscais.
No orçamento apresentado ao Parlamento em março, o governo projetou que a
atividade econômica voltará aos níveis pré-recessão na metade de 2022. O plano
assegurou ainda a continuidade da maior parte dos estímulos pelo menos até o
próximo relatório semianual das contas públicas, marcada para novembro, o que
deve ser mais um ponto de apoio às condições econômicas.
Para Smith, o fim do principal programa de retenção de emprego do governo, que
deve acontecer em setembro, terá algum efeito nos dados, mas as empresas já
deverão estar em posição sólida o suficiente para manter a maior parte das
vagas sem precisar do apoio. “Acreditamos que o mercado de trabalho
provavelmente apresentará uma recuperação mais rápida do que após recessões
anteriores”, prevê.
Analistas da Capital Economics avaliam que a retomada será rápida a ponto de
limitar os potenciais efeitos duradouros da crise sanitária. “É improvável
que o legado da crise da covid-19 seja uma economia permanentemente menor e é
mais provável que a inflação baixa seja sacrificada para permitir déficits
públicos maiores”, analisam.
Mesmo com acordo comercial, risco Brexit segue no radar
Apesar dos prospectos de vitória na batalha contra o coronavírus, riscos em
outras áreas não se dissiparam integralmente. Em particular, o Brexit segue
como fonte de incertezas, mesmo após o fim do período de transição, na virada
do ano. Reino Unido e UE firmaram acordo comercial, mas a implementação tem
percorrido caminho acidentado, com divergências sobre a questão da fronteira
irlandesa.
O divórcio com o bloco europeu reacendeu tensões na região, inclusive com casos
de protestos violentos. Como a Irlanda permanece membro da UE, a saída dos britânicos,
em tese, levaria à criação de barreiras na fronteira com a Irlanda do Norte, o
que violaria os termos de acordo de paz firmado em 1998.
Diretor-gerente para Europa da Eurasia, Mujtaba Rahman argumenta que ações
recentes do governo de Boris Johnson têm dificultado a cooperação pós-Brexit.
Segundo ele, embora tenha sido finalmente ratificado pelo Parlamento Europeu, o
tratado comercial tende a continuar provocando divergências, sobretudo porque
ele precisará ser revisado em 2025.
“Enquanto os conservadores permanecerem no governo, é improvável que o
acordo forneça a plataforma para um relacionamento mais harmonioso, como os
pró-europeus esperavam. Do jeito que as coisas estão, é mais provável que seja
uma receita para confrontos e conflitos permanente”, prevê.
O impacto disso na economia se reflete na hesitação de empresas britânicas em
exportar para a UE, segundo o economista-chefe da High Frequency Economics
(HFE), Carl B. Weinberg. Ele cita pesquisas que mostram que pelo menos 25% de
pequenas empresas paralisaram os envios ao continente por dúvidas sobre
questões legais. “Mesmo que todas as restrições relacionadas à covid
terminem de uma vez, a Grã-Bretanha ainda estará lutando com o Brexit”,
salienta.