“A realidade de muitas mulheres é trabalhar na casa de alguém e ao chegar à própria casa ter de fazer exatamente os mesmos serviços. Sozinha”. A funcionária pública Simone Cardoso abriu sua participação na roda de conversa promovida pela Subsecretaria da Igualdade Racial de Guarulhos no CIC Pimentas nesta quinta-feira (24) com uma constatação logo compartilhada por outras mulheres presentes.
Uma pesquisa da plataforma Elas Trabalham, divulgada em 2024, mostrou que 73,4% das mulheres começaram a fazer tarefas domésticas antes dos 14 anos de idade, mas apenas 9,4% delas consideraram essas atividades um trabalho. O mesmo levantamento atestou que as mulheres ganham menos do que os homens e 47,2% delas são impedidas de trabalhar fora de casa pelos seus companheiros. Além disso, das que têm filhos, 28% não contam com nenhuma rede de apoio, seja o companheiro (ou ex), familiares ou amigos.
Essas e outras situações acabam afetando sobremaneira a saúde mental das mulheres. “Nós conseguimos, ao contrário dos homens, fazer várias coisas ao mesmo tempo, e muitas acabam ficando doentes, física e mentalmente, por causa disso. Não temos retorno positivo em nossas vidas. Depois de 30 anos de casamento consegui me posicionar melhor para cuidar de mim, mas a muito custo. E não são todas as mulheres que conseguem isso”, revelou a também funcionária pública Priscila Santos da Cruz França.
Outra pesquisa, de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que as mulheres dedicavam 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou aos cuidados de pessoas. Cerca de 92% das mulheres com 14 anos ou mais realizavam os trabalhos citados, contra apenas 80,8% dos homens. Na região Nordeste a situação é ainda mais desigual: somente 73,9% do público masculino “ajudava” em casa.
“Essa palavra é importante. Muitas mulheres dizem que os companheiros as ‘ajudam’ em casa e ficamos com essa ideia. Mas não existe ajuda, tem que ser um trabalho compartilhado igualmente”, comentou Greice Cristina de Oliveira, assistente social da Subsecretaria da Igualdade Racial de Guarulhos. A divisão das tarefas domésticas permanece desigual mesmo entre os trabalhadores: em média, as mulheres ocupadas dedicaram 6,8 horas a mais do que os homens ocupados aos afazeres domésticos e/ou ao cuidado de pessoas em 2022. Além disso, a realização de afazeres domésticos era maior entre homens com curso superior completo (86,2%) e menor entre os sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (74,4%).
“Cuidar é resistir. As mulheres são constantemente convocadas a estar nesse lugar de zelar pelos outros e pelo lar, mas os homens têm de ser mais participativos. Este é um dos objetivos desta roda de conversa. Ficamos alegres em ver aqui pessoas interessadas em dialogar e contribuir com essa luta para que os homens mudem a forma de pensar e, principalmente, de agir. É uma conversa sobre cuidado e resistência”, afirmou Jorge Caniba Batista dos Santos, subsecretário da Igualdade Racial.
As taxas de realização de afazeres domésticos por mulheres brancas (90,5%), pretas (92,7%) ou pardas (91,9%) são sempre mais altas que as dos homens dos mesmos grupos de cor ou raça (80%, 80,6% e 78%, respectivamente). Além disso, a baixa remuneração e a exaustão das mulheres por conta da sobrecarga de trabalho, inclusive mental, são agravadas quando considerada a condição das mulheres negras, que são justamente as que geralmente ocupam trabalhos de menor remuneração e maior sobrecarga. “É importante destacar que as profissões ligadas ao cuidado são também ocupadas, sobretudo, por mulheres”, destacou Silvana Benevenuto, socióloga da Subsecretaria da Igualdade Racial.
“Situações relacionadas à gestão do dia a dia dos filhos e da casa ocupam mais a cabeça das mães do que a dos pais. O homem geralmente se preocupa mais com o próprio trabalho em detrimento da gestão da vida”, apontou Elisa Pereira Castro, também socióloga da pasta. São comuns relatos de mulheres que só vão dormir depois da meia-noite, já que têm de deixar (sozinhas) a casa arrumada para o dia seguinte, o que inclui a limpeza e o preparo de refeições, entre outros afazeres. “O trabalho das mulheres vale menos, é invisibilizado, principalmente pelos homens que estão em posição de poder”, completou Elisa.
De acordo com Silvana, a participação em trabalhos domésticos é pouco exigida dos homens pela sociedade. “Quando um deles se destaca acaba sendo quase endeusado pelas pessoas ao redor, até mesmo por fazer o mínimo. Já a culpa por uma eventual má educação da criança recai sempre sobre a mãe”, comentou. “Uma rede de apoio entre as mulheres é fundamental nessas horas, muitas delas só sobrevivem com isso. É necessário ter o autocuidado de impor limites e sustentá-los”, completou a fotógrafa Umaitá Pires, que também participou das discussões.
Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha
A roda de conversa promovida pela Subsecretaria da Igualdade Racial no CIC Pimentas ocorreu em celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e ao Dia de Tereza de Benguela (25 de julho). O dia internacional, instituído em 1992 em Santo Domingo, capital da República Dominicana, tem como objetivo dar visibilidade à luta contra o machismo e o racismo praticados contra as mulheres negras de todo o planeta, além de promover políticas públicas para erradicar os diversos tipos de preconceitos por elas sofridos. No país, a lei 12.987/2014 estabeleceu o 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em homenagem à líder do quilombo Quariterê e símbolo da resistência negra brasileira.
















