Em sua primeira visita ao Centro Cultural Banco do Brasil (na rua Álvares Penteado, 112, Centro de São Paulo), o produtor audiovisual Leandro Alves, 25, resolveu usar sua conta no TikTok para demonstrar sua preferência por cinemas de rua. “Achei o lugar bonito e decidi fazer um vídeo”, conta. A primeira publicação já veio com um “Parte 1? no título, linguagem comum em publicações da rede social para conteúdos que, com certeza, terão continuação.
Leandro fez sete vídeos, com milhares de visualizações e comentários, mostrando alguns espaços da cidade como o Centro Cultural São Paulo, Cine Marquise, Cine Sesc, Cine Sala, entre outros. A maioria deles na região central da cidade. O produtor é exemplo de uma turma que nasceu depois da explosão de cinema em shopping, mas que prefere frequentar as salas de rua. “Sempre gostei muito de ver filmes e quando comecei a ir para o cinema foi, principalmente, de rua”, explica.
As justificativas se acumulam: a programação, a estética mais voltada para celebrar a sétima arte com seus cartazes de filmes antigos, os ambientes com café e, às vezes, livraria, e até o público diferente do shopping – que muitos entendem como mais interessados no entretenimento do que no filme.
Além disso, é um cenário mais instigante para essa geração que registra a vida nas redes – mais “instagramável”, eles podem dizer.
O estudante de cinema João Della Mônica, 18, frequenta desde os 11 anos as salas de rua, incentivado pelos pais. “Cinema sempre foi uma paixão minha e, quando era mais novo, meu pai passou a me levar nessas salas para eu ver como era. Esse era meio que um passeio de nossa família”, afirma.
Programação mais ampla
Leandro é um dos que defende que a programação é diferenciada. Segundo ele, é mais fácil encontrar os chamados “filmes de arte” ou ter acesso à programação de festivais nesses lugares.
É a mesma justificativa do cinéfilo Diego Francisco, 24, estudante de análise e desenvolvimento de sistemas.
“Passei minha infância inteira indo para cinema em shopping, nem sabia que existiam as salas de rua até virar adolescente.”
Diego Francisco, estudante
“Com 12 anos passei a ler mais sobre cinema e descobri que tinha filmes que eu queria assistir que não estava passando nos shoppings e até achava que eles não estavam no Brasil”, continua Diego.
Depois da ascensão das salas em shoppings, um movimento que tomou conta do Brasil inteiro motivado pela praticidade e segurança (facilidade para estacionar, praças de alimentação com variedade de restaurantes, lojas de diversos gêneros), as salas de rua que conseguiram sobreviver se tornaram um contraponto de programação.
Em São Paulo, elas costumam exibir filmes clássicos, lançamentos nacionais e internacionais, muitos deles fora do circuito comercial, que costuma incluir blockbusters americanos. Mas não é só isso. Espaços como o Petra Belas Artes (rua da Consolação, 2423), Cine Marquise (Av. Paulista, 2073, dentro do Conjunto Nacional) e Reserva Cultural (Av. Paulista, 900, na Fundação Cásper Líbero) costumam mesclar filmes comerciais com não comerciais em suas programações.
“Acho que acesso à cultura é muito importante e, principalmente, acesso a várias culturas. No shopping tem muita coisa dos Estados Unidos, mesmo os filmes nacionais são muito pouco valorizados, e os cinemas de rua conseguem manter essa chama acesa”, continua Diego. É um dos principais pontos negativos também para João. “Apesar de ter muita salas e mais conforto, eles acabam limitando os filmes para o que dá mais lucro paras empresas, além de darem pouco espaço para o cinema nacional. O período que os filmes ficam em cartaz é pequeno e acaba limitando o público”, diz.
Ocupação da cidade
Quem frequenta salas de cinema de rua também pontua que uma das principais questões é a ocupação da cidade. Em São Paulo, a grande maioria dessas salas está no Centro da cidade e, de alguma forma, ajudam a movimentar regiões em seu entorno.
O diretor de programação do Espaço Itaú de Cinema Augusta (rua Augusta, 1475) Adhemar Oliveira conta que a pandemia, apesar de ter impactado negativamente os negócios de cinema no mundo inteiro, ajudou a melhorar a imagem das salas que estão nas ruas “Ficou melhor porque como não está no shopping, está, de certa forma, isolado e protegido”, aponta.
Adhemar é um grande defensor desses espaços. Além do Itaú, ele é um dos sócios do Cine Sala (rua Fradique Coutinho, 361, em Pinheiros), um dos mais antigos da cidade, criado em 1962. “Ele (o cinema de rua) sempre responde à percepção da cidade que se habita, que circula, que se pode circular, é um estilo de vida”, defende.
Ele diz que a frequência de cinemas de rua em São Paulo e outras cidades do País melhorou nos últimos tempos por conta da sensação de segurança, que é um dos motivos de pessoas se sentirem mais à vontade para frequentar a rua. “Essa sensação, esse desenvolvimento, nada nunca é homogêneo,. Áreas entram e saem dessa ‘zona’ de segurança, mas o maior aliado disso é a presença das pessoas, garantindo também convivência e alegria”, continua.
Há quem defenda que a experiência é diferente. “Quando você vai numa sala dessas, vai pelo ato de ver um filme e ir ao cinema. No shopping, (o filme) é mais um produto comercial”, opina o estudante, que também diz se incomodar com a banalização a sétima arte em alguns espaços.
Nem tudo são flores
Há alguns pontos negativos, no entanto, para quem gosta de assistir a filmes nas salas de rua, principalmente na Grande São Paulo. A grande maioria dos espaços está no centro da cidade, o que faz com que uma imensa parcela da população não tenha tanto acesso. “Pessoas mais periféricas talvez não consigam atravessar a cidade pra ver um filme diferente”, diz João, que mora em Itaquera. “Isso acaba limitando o público que vai preferir um lugar mais perto de casa”, segue.
“A distância é realmente um ponto negativo, Eu moro no extremo sul da Zona Sul de São Paulo e tenho que gastar muito tempo para chegar nessas salas”, comenta Diego, que vive no Grajaú. O produtor Leandro, que mora em São Bernardo também pontua essa questão. “Aqui os dois únicos cinemas de rua que existem exibem filme pornô”, comenta ele que diz já ter desistido de ver um filme por conta do tempo que gastaria com deslocamento.
Sem preconceitos
É de se imaginar que as salas, apesar da presença de jovens, conte ainda com um público mais maduro. Eu acho que tem, de uma certa forma, todos os estratos da população – pessoas da terceira idade, jovens e e a população de meia-idade”, comenta Adhemar. A programação mais adulta e, às vezes, menos popular, mas ajuda a manter o público.
E, no fim das contas, todos são bem-vindos. “Eu não sofro preconceito, as pessoas ficam um pouco em choque, mas tudo bem”, brinca João, de cima de seus 18 anos e sua paixão por cinema.
Vá lá:
Cineclube Cortina – Rua Araújo, 62 – República
Cine Satyros Bijou – Praça Franklin Roosevelt, 172 – Consolação
Cine LT3 – Rua Apinagés, 135 – Perdizes
CineSala: R. Fradique Coutinho, 361 – Pinheiros
Petra Belas Artes: R. da Consolação, 2423 – Consolação
Espaço Itaú de Cinema (Augusta): R. Augusta, 1475 – Cerqueira César
Cine Marquise: Conjunto Nacional, Av. Paulista, 2073
CineSesc: R. Augusta, 2075
Reserva Cultural: Av. Paulista, 900 – Bela Vista
Cine Centro Cultural São Paulo: Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso
Multiplex Playarte Marabá: Av. Ipiranga, 757 – República
CCBB: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico
Jovens criados na era do cinema de shopping redescobrem salas de rua de São Paulo
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