Cancelamento de Doações: A Face da Ingratidão

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Era uma vez, na Península Apenina, um jovem chamado Giovanni, cujo destino lhe seria, a princípio, tão áspero quanto as pedras que ele habilmente manejava. Italiano de nascimento, atravessou o mar em busca de uma nova vida no Brasil, com apenas 18 anos, mãos habilidosas e um coração repleto de sonhos. Com perseverança digna das mais inspiradoras óperas, transformou sua habilidade de pedreiro em um império da construção, um legado de concreto e esperança.

O amor floresceu em terras brasileiras, onde encontrou sua companheira de vida, com quem teve duas filhas. Seu esforço incansável era para elas, suas preciosas herdeiras, para quem desejava deixar não apenas sua fortuna, mas também os valores de integridade e dedicação. Aos 80 anos, num gesto de confiança, repassou grande parte de seus bens e a liderança de sua empresa às descendentes, esperando ver seu legado prosperar.

Entretanto, o desenrolar dos eventos trouxe à tona um amargo sabor de ingratidão. As filhas, embriagadas pela riqueza e poder, desviaram-se dos princípios que Giovanni tanto prezava. A ingratidão culminou em atos de desprezo e humilhação, e até na tentativa de usurpar completamente o patrimônio do pai através de uma interdição.

Diante dessa dolorosa traição, Giovanni buscou amparo na justiça, apoiado pelo Código Civil Brasileiro. Aos 90 anos, enfrentou o judiciário e reconquistou seus bens e sua posição, um testemunho de sua fortaleza moral e do respeito pelas leis do país que o acolheu.

Reestabelecido, Giovanni não permitiu que o ressentimento envenenasse seu coração. Ao contrário, continuou a viver com dignidade, decidindo que somente após sua morte a gestão de sua empresa passaria novamente às filhas. Com 92 anos, viaja o mundo ao lado de sua esposa, enquanto as descendentes, agora funcionárias da empresa, tentam reconstruir a ponte de confiança e amor que outrora desmoronaram.

Na sua última e mais sábia decisão, Giovanni elaborou um testamento que reflete sua essência: metade de sua fortuna será destinada à diversas comunidades carentes e pessoas que foram verdadeiras em sua jornada. Esta história, entrelaçada pela lei e pelos laços familiares, deixa uma lição eterna: a verdadeira grandeza de um homem reside na capacidade de superar a adversidade com honra e de perdoar, mesmo diante da mais profunda ingratidão. A narrativa é fictícia, mas o Código Civil prevê no artigo 557 as hipóteses de revogação por ingratidão das doações, dentre elas se o beneficiário injuriou gravemente ou o caluniou o doador. O Código Civil adota uma definição ampla de ingratidão, não restrita a casos específicos. O Enunciado 33 do Conselho da Justiça Federal reconhece que o rol do artigo é exemplificativo, permitindo a revogação da doação por ingratidão em diversas situações. O STJ, no REsp 1.593.857, firmou o entendimento de que a “injúria a que se refere o dispositivo envolve o campo da moral, revelada por meio de tratamento inadequado, tais como o descaso, a indiferença e a omissão de socorro às necessidades elementares do doador, situações suficientemente aptas a provocar a revogação do ato unilateral em virtude da ingratidão dos donatários”.

Na penumbra das adversidades, o drama de Giovanni tece um retrato vívido da condição humana, o pedreiro que se tornou patriarca, nos oferece sua mais valiosa herança: a compreensão de que o verdadeiro patrimônio de um homem não se quantifica em cifras, mas na riqueza de seu caráter e na generosidade de seu espírito.

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