Em março, ter aulas em casa
pareceu perfeito para a estudante Laís de Hollanda de Oliveira, de 12 anos.
Mas, com o tempo, a nova rotina foi desgastando a garota, que está cansada do
contato virtual com os amigos e das restrições para sair. Agora, ela torce para
a pandemia do novo coronavírus acabar o mais rápido possível.
Vontade de sair para passear, lágrimas ao ver
vídeos dos amigos e saudade até de vestir o uniforme para ir para a escola
fazem parte do relato das crianças e adolescentes que, em isolamento, estão
impossibilitados de fazer, como antes, as atividades do dia a dia. Eles têm
dado sinais de que estão saturados da situação e as famílias tentam se
reinventar para superar os altos e baixos. Especialistas dizem que o sentimento
é natural, mas que pais devem ficar atentos em casos de mudança de
comportamento e de sintomas de depressão.
Laís sai de casa para ir ao dentista ou quando
acompanha os pais ao supermercado. No restante do tempo, fica em casa. “No
começo, fiquei muito feliz, porque era meu sonho estudar em casa, mas é
horrível ficar diante da tela de um computador ouvindo a aula. Está muito
difícil ficar na quarentena sem poder sair, abraçar os amigos, estudar na
escola. Estou torcendo para que ‘o corona’ acabe logo, porque não aguento mais ficar
isolada com os meus pais e não poder ir para os lugares em que eu ia”,
lamenta a estudante.
O pai da jovem, o jornalista Marcos de Oliveira,
de 60 anos, tem buscado apostar no diálogo para ajudá-la a enfrentar a nova
situação. “Agora, está sendo mais complicado. Ela sempre teve dificuldade
para acordar cedo e, às vezes, fica vendo a aula na cama, mas tem um
desinteresse total pela matéria, por fazer a lição de casa. A gente tenta
conversar, conscientizar, mas está mais desanimada.”
A pandemia não só mudou a rotina como quebrou as
expectativas da estudante Julia Nascimento Barussi, de 17 anos, para este ano.
Sofrer, em alguns momentos, foi inevitável. “Quando eu assistia a algum
vídeo de amigo, sempre chorava de saudade pela expectativa que a gente tinha. É
o nosso último ano na escola. Depois, cada um vai seguir o seu caminho, não
sabemos quem vai mudar para outra cidade. Agora, depois de tantos meses em
casa, a gente começa a ter uma aceitação melhor.”
Já a saudade da família vem sendo superada não só
com alternativas online. “Tem a distância dos familiares, a gente sente
falta da convivência com a família, de almoçar aos domingos. A minha avó mora
perto e, às vezes, a gente combina, eu pego o binóculo e ela fica acendendo e
apagando a luz da sacada. A gente vai se acostumando, mas tem momentos de
estresse, de ansiedade, de chorar, de ficar brava.”
Julia conta que, com ajuda da mãe, a comerciante
Suellen Nascimento, de 38 anos, tem se dedicado a outras atividades para passar
o tempo dentro de casa. “Em algumas noites, a gente montava quebra-cabeça,
pegava jogos de tabuleiro. Eu e minha mãe já testamos todo tipo de receita,
fazemos exercícios e dança com vídeos no YouTube. Foi um aprendizado.”
A pandemia também mudou a vida do estudante
Alexandre Augusto Jatobá, de 16 anos. Por um lado, ele começou a adotar hábitos
mais saudáveis, a correr antes da aula e a compartilhar nas redes sociais
mensagens motivacionais que escreve.
Mas também há momentos difíceis. “A gente
está vivendo um momento muito terrível, com muitas pessoas morrendo. Isso
marcou tanto a minha vida, até choro quando penso nas vidas que se perderam.
Acho que a pandemia tocou muitos corações e as pessoas estão dando mais valor à
vida.”
A professora de música Alessandra Gomes Nuñez,
de 48 anos, divide sua atenção entre a adaptação da filha Elisa, de 12 anos, e
a falta que o filho Fabio, de 10 anos, anda sentindo da vida pré-pandemia. Uma
de suas estratégias é propor atividades offline para as duas crianças.
“Eles fazem aulas de música comigo, compramos giz. Eles desenvolveram
interesse e colocamos como uma atividade a mais para tirar da tela e do
virtual.”
Fabio Gomes Nuñez não esconde a grande falta que
sente da escola e de todos os colegas. “Sinto mais falta de estar com os
meus amigos e tinha mais facilidade para escutar as aulas presenciais do que as
aulas online. Eu me disperso muito fácil”, queixa-se o menino.
Embora esteja mais acostumada e tenha
participado até de balada online com os amigos, Elisa Gomes Nuñez também tem
momentos de saudade. “Sinto falta dos amigos, de acordar e vestir um
uniforme, de escrever no caderno.”
Pediatra aconselha os pais a ficarem atentos
Os adultos estão sentindo os impactos da mudança
de rotina durante a pandemia e não seria diferente com crianças e adolescentes,
afirmam especialistas. “O medo é um sentimento comum a todos os seres
humanos. A diferença é que os adultos já possuem ferramentas racionais e
emocionais para compreender e combater o que sentem, enquanto as crianças ainda
não têm”, explica Andressa Tannure, pediatra, integrante da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP) e especialista em Suporte de Vida em Pediatria
pelo Instituto Sírio-Libanês e pelo HCor, em São Paulo.
Em uma pesquisa divulgada neste mês pela SBP,
88% dos pediatras relataram que as crianças em idade escolar apresentaram
alterações no comportamento, das quais 75% foram oscilações de humor. Segundo
Andressa, os pais devem ficar atentos se os filhos apresentarem alterações no
sono e no apetite e irritabilidade.
“Além de ter muita sensibilidade e
observação, é preciso dar espaço e oportunidades para a criança expor, a sua
maneira, seus medos, sentimentos e seus milhões de dúvidas sobre o que está
acontecendo ao seu redor”, adverte a pediatra.
Ela recomenda aos pais criar “uma rotina de
atividades com os filhos”, fazendo refeições juntos e buscando alguma
alternativa para o lazer. Psicólogo e especialista em gestão do estresse pela
Harvard Medical School (EUA), Armando Ribeiro destaca que é importante
conversar sobre os problemas emocionais notados no período de pandemia. “O
humor irritável é mais comum em crianças e adolescentes e muitas vezes a
depressão pode se manifestar na forma de queixas físicas repetitivas, como
dores e alergias. Reconhecer as dificuldades emocionais pelas quais todos
passamos é um dos primeiros passos importantes para fortalecer a resiliência em
tempos adversos”, afirma.
O Instituto da Criança e do Adolescente do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) vai começar um estudo sobre os impactos da pandemia para adolescentes
com doenças crônicas. Para compreender o quadro, está convocando 500 jovens
entre 10 e 19 anos sem condições crônicas para participar da pesquisa, que será
virtual.
“Estudos reforçaram que eles podem ter
distúrbios do sono, porque estão fazendo mais uso de telas, e um impacto
físico, porque ficam muito em casa e pode ser que a alimentação não seja
saudável”, diz Clóvis Artur Almeida da Silva, professor titular do
Departamento de Pediatria da FMUSP. Segundo ele, “há 500 pacientes com
doenças crônicas e precisamos de 500 sadios para o controle”. Os
resultados do trabalho deverão ser divulgados em novembro deste ano.
Dicas sobre o que fazer
A fonoaudióloga Cristiane Romano, doutora em
Ciências e Expressividade pela Universidade de São Paulo (USP), dá algumas
orientações que podem ser adotadas pelos pais para tentar ajudar os filhos a
lidar com as emoções durante a pandemia do novo coronavírus.
Prestar atenção
Quando seu filho procurar para conversar, dê
total atenção. Ouça tudo até o final, sem interrupções. Deixe para emitir suas
opiniões somente depois.
Acerte o momento
Busque um momento adequado e tranquilo para
conversar com seu filho. Explique a situação com uma linguagem apropriada para
a idade da criança. É claro que ela vai fazer várias perguntas. Se surgir
alguma que você não puder ou não souber responder, diga que vai pesquisar e
depois lhe contar. Mas não deixe o seu filho sem respostas.
Entenda o sentimento
Nunca desconsidere o que a criança está
sentindo, dizendo, por exemplo, que “não tem de ter medo de nada” ou
que “isso é uma bobagem”. Mostre que você entende os sentimentos
dela. Essa postura fará com que seu filho sinta abertura para expor as emoções
sempre.