Em SP, camelôs voltam a lotar Paulista, Brás e 25 de Março

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A Avenida Paulista e outras ruas tradicionais do comércio paulistano voltaram a conviver com aglomerações de vendedores ambulantes. Empurrado pelo cenário de perda de renda e desemprego durante a pandemia, o agravamento da informalidade contrasta com a alta em apreensões feitas pela Prefeitura em 2020 e com o movimento ainda baixo de clientes, apesar das flexibilizações recentes de medidas anticovid.

Ao meio-dia da quinta-feira passada, dia 8, as calçadas da Paulista abrigavam cerca de 135 bancas, tendas ou panos com toda sorte de produtos – de artesanato a vaso de planta, capinha de celular ou roupa de frio. A concentração era maior entre a Alameda Campinas e o Museu de Arte (Masp): 70 camelôs disputando lugar em quatro quadras.

“Disseram que aqui era o melhor lugar. Estou há três meses em São Paulo e preciso conseguir dinheiro, senão como vou sobreviver?”, afirma um argentino de 34 anos que se identificou como Alexandre e vende incensos naturais, há menos de duas semanas. “Antes, tentei trabalhar em Pinheiros, mas não vendi nada. Zero, zero!”, reclamou.

Com menos gente nas ruas do que em tempos mais normais, não é raro constatar trechos em que vendedores irregulares são os únicos presentes. Boa parte dos camelôs é formada por imigrantes latinos. O ritmo dos negócios anda lento, e muitos precisam trabalhar horas a mais para cumprir metas diárias. Em menos de meia hora, porém, Alexandre concluiu duas vendas. “Nos outros dias o movimento foi fraco”.

Também argentino, Danilo Muniz, de 56 anos, chegou a ter loja no Brasil, mas recorreu à informalidade após falir. Sem autorização, tem alternado o comércio de plantas com o de bebidas pela Paulista e outras áreas do centro. “Está terrível. Hoje mesmo só vendi R$ 5, um vasinho de suculenta”.

Comerciantes legais e frequentadores relatam que, nos períodos mais agudos da quarentena, a avenida chegou a ficar praticamente vazia e o retorno dos camelôs foi repentino. Com marmitas a R$ 10, Mary Fernandes, de 54 anos, sobrevive vendendo-as aos próprios ambulantes. Diz que a demanda disparou nas últimas semanas. “O movimento tem subido muito agora.” Carregando dois sacolões pesados, ela vende de 35 a 70 almoços por dia.

Para moradores, comerciantes e associações da área, o maior problema é o uso das calçadas. Os vendedores invadem o espaço dos pedestres. “O problema é cada vez mais complicado”, afirma Célia Marcondes, da Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César. “Sabemos que há a pandemia, mas falta política pública, falta governo.” Presidente da Associação Paulista Viva, Lívio Giosa diz que o número de camelôs flutua. “Com o desemprego em alta, acredito que a Prefeitura não esteja fiscalizando tanto.”,

“São três turnos com atividades diferentes”, descreve Raphaela Galletti, presidente da MovPaulista, que reúne moradores, comerciantes e prestadores de serviço. “De manhã é uma coisa, durante o dia configuração é outra e à noite outra. Tem barraca até com iluminação própria. A sensação é de que o pedestre não tem vez.”

Segundo a Secretaria das Subprefeituras, há na Paulista 27 Termos de Permissão de Uso (TPUs) para bancas de jornais e revistas e seis para compartilhamento de bicicletas.

Flexibilização

Com quedas de casos e mortes por covid, a gestão João Doria (PSDB) decidiu, semana passada, flexibilizar as regras para o comércio, ampliando seu horário em mais duas horas. Embora não impacte diretamente na atividade informal, a medida tende a ampliar o total de pessoas nas ruas.

No entanto, mesmo antes disso outros polos comerciais já registravam aglomerações. Na região da 25 de Março, o Estadão flagrou centenas de pessoas circulando – muitas delas sem máscara ou com máscara no queixo. “É como se aqui já tivesse acabado a pandemia”, resumiu uma mulher que trabalha na região há cinco anos. “O movimento, em si, anda meio fraco mas está voltando aos poucos”.

No Brás, as ruas estavam lotadas de camelôs. “Tem mais vendedor do que pessoas passando”, descreve Felipe Dias, de 21 anos, que perdeu o emprego de garçom e viu na informalidade uma saída para manter a renda. “É claro que a gente fica com medo de pegar o vírus. Mas tenho de sustentar uma irmã, minha tia e duas primas, uma delas está grávida. Se eu não viesse para cá, ia passar fome “

Camelôs da Paulista, da 25 e do Brás são unânimes em dizer que a fiscalização da Prefeitura não diminuiu durante a crise. Dados da gestão Ricardo Nunes (MDB) de fato mostram que o número de apreensões subiu ano passado. “Todo dia alguém perde a mercadoria”, relata Fernanda Aparecida, de 28 anos. “É um risco sempre, mas a gente precisa comer.” Com menos gente nas ruas, também teria ficado mais fácil identificar atividades irregulares, segundo a administração municipal. Foram 160.629 lacres recolhidos em 2020 – nove toneladas, ante cinco toneladas em 2019.

Já no acumulado deste ano, foram 42.691 (4 toneladas) de apreensões até maio. “A fiscalização do comércio irregular é feita diariamente pelas 32 subprefeituras”, afirma a Prefeitura, que ainda diz ter distribuído 1.781 máscaras em locais de mais fluxo.

Programa de legalização

Lançado há dois anos com o objetivo de legalizar 45 mil comerciantes de rua em São Paulo, o programa Tô Legal encolheu durante a pandemia. Para o secretário municipal Alexandre Modonezi, titular da pasta das Subprefeituras, o recuo constatado seria reflexo dos impactos econômicos e na rotina da cidade provocados pela crise sanitária.

Dados da Prefeitura apontam que, desde o lançamento em julho de 2019, o Tô Legal emitiu 7.930 autorizações para diferentes pessoas (CPF) ou empresas (CNPJ) poderem prestar serviço e vender legalmente nas ruas. Mas hoje só estão ativas 2.595 – ou 33% dos ambulantes que chegaram a participar.

As autorizações são temporárias (no máximo 90 dias) e precisam ser renovadas pela internet. O programa inclui desde espaços menores, como tabuleiros para vender café e bolo, a food trucks e tendas equipadas com cadeiras. Em números absolutos, a Prefeitura diz ter concedido mais de 22,6 mil licenças – mas o balanço não elimina duplicidades com renovações.

Como há limite de um vendedor por quadra, o comerciante de rua escolhe uma das áreas disponíveis e paga uma taxa que varia por local, horário e dias de trabalho. Cerca de 70% da cidade está autorizada a receber o comércio de rua. Foram excluídas do programa regiões já saturadas, como o Brás, a 25 de Março e o Mercado Municipal, ou áreas com proibições legais, a exemplo de entorno de hospital ou entrada de parque.

Há 18 anos à frente de uma banca de frutas em Higienópolis, na região central, o vendedor Reinan Alves, de 38 anos, aprova o programa. “Já perdi a mercadoria mais de 200 vezes para a fiscalização e hoje trabalho sossegado demais”, diz. “O valor que eu pago é pouco mais de R$ 10 por dia, mas compensa. O prejuízo com as apreensões era muito maior.”

Em junho, a gestão Ricardo Nunes (MDB) ampliou o Tô Legal para incluir vendedores “porta a porta”, liberando, por exemplo, a venda de ovos, pamonha, livro ou artesanato. Até semana passada, foram dadas oito dessas novas permissões.

Secretário das Subprefeituras, Alexandre Modonezi atribui a queda de cadastrados à pandemia. “Vivemos momento atípico, com períodos de fechamento total do comércio e repercussões no trânsito”, diz. “É importante ter sempre no horizonte que esse tipo de serviço sempre aconteceu e continua acontecendo de forma não legalizada. O papel do Estado é dar dignidade. Esse trabalhador entra na teia da Prefeitura, pode fazer curso de formação, ter financiamento, evoluir e sair da rua.” Segundo ele, a pasta estima 45 mil ambulantes na cidade, mas não tem prazo para que todos se legalizem.

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