As lições de quem se curou da Covid-19


No momento em que o número de mortos e infectados pelo novo coronavírus aumenta e países como Itália e Espanha avançam na contagem de seus mortos, cresce também outra estatística menos divulgada e bem mais alentadora: a dos curados. Em todo o mundo, pelo menos 100 mil pessoas já se recuperaram da doença, segundo estudo da Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos.

O trabalho foi divulgado nesta semana. O resultado corrobora informações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que 80% das pessoas contaminadas se recuperam apenas no tratamento, sem precisar de internação e uso do respirador (entre 5% e 6%).

Os curados são homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, que apresentaram sintomas variados, desde tosse e falta de ar até perda de olfato. Depois de um período de isolamento total, sem sair de casa – incluindo os mais novos -, eles relatam o prazer de voltar a executar atividades do dia a dia, como estar com os amigos e com a própria família. Alguns são enfáticos: para eles, o isolamento social continua sendo necessário, mesmo depois da cura, para evitar que a pandemia avance assustadoramente como em outros países.

“O pior sintoma é o medo”, afirma a advogada e conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Daniela Teixeira, de 48 anos, que contraiu a covid-19 na Conferência Nacional da Mulher Advogada, realizada no Ceará, em 5 e 6 de março. “Fui homenageada na conferência, mas não vale o risco e o desespero que passei depois. Tinha de ter ficado em casa.” Ela reforça a recomendação da OMS para que as pessoas não saiam de suas casas nesse momento, que não paguem para ver. “É muito difícil ser contaminada por uma peste, algo que parou o mundo, e achar que seu quadro clínico pode se agravar, que você pode contaminar pessoas queridas ao seu redor”, diz.

O tom de voz de Daniela, no entanto, já não tem mais grande preocupação. Na terça-feira, ela recebeu o resultado de seu último teste e não está mais doente. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal, onde mora, recomendou por precaução isolamento total até dia 31. Depois, vida normal.

Com o aumento da demanda pelos testes de coronavírus, muitos infectados não chegam a fazer novo exame ao fim da quarentena. Segundo o Ministério da Saúde, a orientação para os que testam positivo é de respeitarem o período de 14 dias de isolamento. Depois, se não tiverem mais sintomas, já podem seguir as mesmas regras do restante da população.

Foi o caso da paulista Laísa Nardi, de 22 anos. Em fevereiro, depois de ter voltado de uma viagem por Itália e Espanha, ela começou a ter tosse, falta de ar e dor no corpo. “Achei que a dor fosse de carregar a mochila nas costas”, disse. Ela revela um sentimento bastante difundido entre as pessoas: “Não achei que pudesse acontecer comigo”.

Poucos dias depois de procurar atendimento médico, Laísa recebeu o resultado positivo do teste para o novo coronavírus. Ela ficou em isolamento com seu ex-namorado, com quem tinha entrado em contato depois da viagem, ao realizar sua mudança da casa dele. “Fiquei de quarentena com o ex”, brincou. “No dia em que a minha quarentena acabou, andei 15 quilômetros no sol do meio-dia, sozinha, para ter certeza de que eu não estava mais trancada.” Laísa já voltou a trabalhar. “Mas evito ao máximo sair de casa. Vou para o trabalho porque preciso.”

Aos 21 anos, Jacqueline Hibner tem a mesma percepção. Ela estuda Hotelaria e Nutrição em Nova York. Voltou para o Brasil quando suas aulas passaram a ser ministradas online. Pouco tempo depois, teve dor de cabeça e enjoo. Ela estava fora do grupo de risco. Não chegou a ter febre, mas o diagnóstico foi o mesmo: coronavírus.

Jacqueline seguiu os 14 dias de isolamento à risca, mesmo quando parou de apresentar sintomas, e continua passando a maior parte do tempo em casa. “Temos de tomar cuidado. Ficar nas ruas agora é algo egoísta”, afirma. “Temos de ficar em casa para não espalhar o vírus. Para algumas pessoas ele pode ser leve, mas pode atacar outras e ser fatal.” Ela sabe que os mais jovens podem ser hospedeiros e passar o vírus para outros.

O médico ortopedista Roberto Ranzini, de 54 anos, afirmou que quer se voluntariar para trabalhar em algum hospital de campanha, depois de acabar sua quarentena. Ele atua no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde foi diagnosticado o primeiro caso da doença no País, e disse acreditar que possa ter contraído o vírus de algum paciente. Sem apresentar mais os sintomas iniciais que, para ele, incluíram letargia e diminuição do olfato, Ranzini continua seguindo o isolamento recomendado. “Temos de ter consciência da importância do isolamento, senão vai ter explosão de casos e o nosso sistema de saúde não vai aguentar.”

Embora não existam estudos sobre o que acontece com pacientes depois que eles se curam, a esperança dele é que no fim da quarentena, quando pretende ir de novo para a linha de frente, já esteja imunizado. De acordo com o infectologista Paulo Olzon, uma vez que a pessoa esteja recuperada do coronavírus, não há nenhuma restrição. “É vida normal.”

Monitoramento

A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo afirmou não ter dados sobre os pacientes curados e disse que o monitoramento dos pacientes é feito pelas prefeituras. Já Secretaria Municipal de Saúde não detalhou como tem monitorado casos de pacientes recuperados. O Ministério da Saúde informou que ainda está trabalhando em consolidar esses dados, antes de fazer qualquer divulgação.

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