Brasil tem cenário de várias pandemias e pode conviver mais tempo com covid-19

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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A falta de um protocolo unificado de ações contra a covid-19 criou um cenário de várias pandemias no Brasil. As diferenças regionais podem fazer o País conviver mais tempo com o novo coronavírus, afirmam pesquisadores. Com as trocas de comando no Ministério da Saúde, que permanece com ministro interino, as medidas de controle ficaram a cargo de governadores, cada um com uma visão própria da doença. E não há um só Estado em que a covid-19 esteja em declínio.

Para o Ministério da Saúde, os cenários diferentes refletem a sazonalidade das doenças respiratórias. Isso faz com que o Brasil tenha, ao mesmo tempo, números de um Equador, o vizinho mais castigado com o vírus, e de Portugal, que registrou em um dia da semana passada apenas 12 mortes. No Amazonas, o número diário de casos novos já passa de 2 mil. O quadro muda completamente no Paraná, onde os casos diários não passam de 300 Minas e MS também têm números oficiais mais bem controlados.

Para o professor Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a falta de uma política coesa do governo federal com Estados e municípios fez com que a situação saísse do controle em algumas regiões. Isso explica, segundo ele, porque no Amazonas, um Estado mais isolado, o vírus se espalhou quase oito vezes mais do que na Bahia, com seu amplo litoral. O Paraná, com baixa disseminação, vive realidade diferente de São Paulo, que tem alta incidência e onde a doença se instalou primeiro, dando mais tempo de planejamento aos vizinhos.

Conforme Guimarães, a falta de um comando central fez com que as medidas de isolamento não fossem adotadas de forma homogênea. “Os Estados ficaram se movimentando numa espécie de areia movediça por meses, tomando as medidas possíveis diante de situação cada vez mais dramática”, afirma. “Estamos condenados a permanecer em um círculo vicioso que somente uma ação coordenada do governo federal permitiria estancar. Sabemos que isso não ocorrerá.”

A Região Norte, com 699,5 infectados e 35 mortes a cada 100 mil pessoas, tem disseminação superior à dos EUA, país com maior incidência no mundo. Está também acima da média brasileira, de 292,6 casos e 16,2 mortes por 100 mil. Além do Amazonas, os dados são puxados para cima por Pará e Amapá, com altas taxas de casos e óbitos, superiores às do Reino Unido, segundo país no ranking da doença.

Em contrapartida, nos três Estados do Sul, a incidência é baixa, tornando a média a menor do Brasil, com 91,3 casos e 2,1 mortes por 100 mil moradores. O índice se compara ao da Grécia. Florianópolis, em Santa Catarina, é a capital com menor número de óbitos.

Por região

Há disparidade na mesma região. No Nordeste, fronteiriços, os Estados do Ceará e Piauí têm pandemias diferentes. Enquanto o Ceará tem 613 casos e 39,5 mortes a cada 100 mil habitantes, no vizinho os índices são de 178,1 e 5,9. A discrepância é evidente no Sudeste, região que tem Estados como São Paulo e Rio, com alta incidência, enquanto Minas tem índices menos agressivos.

Guimarães lembra que é preciso levar em conta que o vírus não chegou a todos os países e às diversas regiões do Brasil ao mesmo tempo. “Como o isolamento social não foi cumprido de forma homogênea, cada região e até mesmo cada município tem uma curva diferente.” Isso sem considerar a subnotificação, para ele “altíssima”.

Coautor de um sistema de simulação matemática que permite traçar diferentes cenários de isolamento para as cidades paulistas e de outros Estados, o professor Paulo José da Silva, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, observa que a flexibilização do isolamento só pode ser adotada em um cenário onde a taxa de contágio está controlada, o que não acontece “em nenhum lugar”. As ações de testagem em massa, fundamentais para a contenção da doença, também influenciam os números, segundo o coordenador de diagnósticos da força-tarefa Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias. “O teste é a base para qualquer ação a ser feita, incluindo reabertura.”

Ministério

O Ministério da Saúde informou em nota que as análises epidemiológicas apontam maior prevalência da covid-19 no Norte e Nordeste, além dos Estados de São Paulo e Rio. No Norte e Nordeste, a circulação do vírus acompanha o período de doenças respiratórias, iniciando nas capitais e regiões metropolitanas e seguindo para o interior dos Estados. “A mesma tendência devemos observar, seguindo a sazonalidade das doenças respiratórias, para Centro-Oeste e Sul, sendo necessária a divisão em três fases: preparação, enfrentamento de doenças em centros urbanos e capitais e a interiorização dos casos.”

Os protocolos têm sido divulgados em boletins – um com medidas adicionais ao distanciamento social está em construção. O ministério disse ainda que “a subnotificação é inerente à pasta”, mas está em curso um programa de ampliação de testagem. Em relação à circulação do coronavírus, a pasta lembrou que o Brasil possui característica viral tanto do Hemisfério Norte quanto do Sul. “Era esperado que a circulação do vírus não seria homogênea.”

Amazonas

Com 97.377 habitantes, 2.437 casos confirmados e 96 mortes pela doença, a cidade de Manacapuru, às margens do Rio Solimões, encabeça a lista de municípios do interior do Amazonas com mais casos de coronavírus. Até o secretário de Saúde, Rodrigo Balbi, foi infectado e ficou internado por 15 dias em Manaus, a 70 quilômetros.

“É uma doença imprevisível, que chega sorrateiramente e toma conta. Mas estamos na luta outra vez”, diz Balbi, que só retornou ao trabalho na semana passada. Ele disse que, por ser próxima da capital, a cidade é porta de entrada do Médio Solimões e ponto de parada de barcos que sobem e descem o rio, o que acelerou a chegada do vírus. A cidade, diz, não tem estrutura necessária. “Há uma unidade de cuidados intensivos, mas não é uma UTI.” Foi montado hospital de campanha, com 35 leitos – três com respiradores, o que obrigou à transferência de casos graves para Manaus.

Na casa da agente de saúde Rafaela Souza, de 28 anos, ela, a mãe, o pai, o marido e a filha pegaram o coronavírus. Só o filho mais novo, de 4 anos, escapou. Para Rafaela, foram sete dias de dores e cansaço. “O pior não foi ter me infectado, mas sofrer com a perda de minha mãe, que lutou, mas não resistiu.” A mãe, Nazaré, de 48 anos, tinha diabete e pressão alta.

Apesar da quantidade elevada de registros, Manacapuru acompanhou decreto estadual de reabertura da economia e, na terça-feira, além de bancos e serviços de alimentação, passaram a funcionar lotéricas, lojas de roupas, floriculturas, feiras e igrejas. Também foi restabelecido o transporte fluvial com as cidades vizinhas e a capital. Segundo o município, a retomada tem base em indicadores de que a doença está regredindo.

O governo do Amazonas informou que, desde o início da pandemia, foram entregues 66 respiradores adquiridos por Estado e Ministério da Saúde para equipar 22 municípios do interior. O número de leitos em unidades de cuidados intensivos foi aumentado em 157%, saindo de 49 para 126.

Paraná

O Paraná tem um dos mais baixos índices de coronavírus do País, mas o secretário da Saúde, Beto Preto, diz que é cedo para comemorar. “Temos visto dia após dia os casos aumentarem, casos e pessoas perdendo a vida.” Na sexta, com 327 novos casos e dez óbitos a mais, o número de diagnósticos positivos chegou a 5.820 no Estado, com 215 óbitos. “Estamos há 81 dias com a doença e ainda não tínhamos registrado tantos casos e mortes em um dia só Não podemos baixar o nível de alerta.” A média de ocupação dos leitos de tratamento intensivo era de 46% e de enfermaria, 30%.

Em Sarandi, noroeste paranaense, com 96.688 habitantes, foram registrados 24 casos e uma morte – um contraste com os números quase 100 vezes maiores de Manacapuru (AM), que tem população igual. A única vítima foi um caminhoneiro de 47 anos que apresentou a doença em Goiânia, onde tinha um segundo domicílio.

Na manhã de sexta, havia 148 pessoas em isolamento domiciliar porque tiveram contato com 11 pessoas com sintomas gripais. Mesmo com poucos casos, a prefeitura estipulou multa de R$ 106 para quem não usa máscara. A moradora Lilian Barbosa, há 22 anos na cidade, disse que a reabertura preocupa um pouco, mas o controle é rígido. “Percebo que as pessoas estão usando máscaras, álcool em gel e não estão viajando. Quem precisa se deslocar para as cidades vizinhas, vai só pelo trabalho.”

A enfermeira Ayla Cristina Martins Veiga, da vigilância epidemiológica municipal, disse que o baixo número de casos está associado às medidas tomadas no início. “O município foi ágil no momento em que os casos começaram nas capitais, decretando o isolamento, fechando o comércio e restringindo serviços. Isso fez com que a população ficasse mais em casa.”

Preto disse que o Estado adotou estratégia diferente de outros, investindo em rede hospitalar própria, sem abrir hospitais de campanha. A suspensão de aulas ocorreu ao mesmo tempo que em São Paulo. E foram aplicados 30 mil testes.

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