Mais de mil municípios no País estão sem contrato de serviço de água ou esgoto


A aprovação do marco do saneamento jogou luz sobre um problema antigo: a falta de contrato para os serviços em diversos municípios do País. Levantamento feito pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) mostrou que mais de mil municípios estão com delegação de água vencida ou sem delegação. O debate ganhou mais espaço diante do veto do presidente Jair Bolsonaro ao artigo 16 do marco, que permitia a renovação dos contratos de programa sem licitação até 31 de março de 2022, com prazo máximo de vigência de 30 anos.

Agora, há pressão dos dois lados. Uma parte defende a necessidade de derrubar o veto para que os municípios consigam regularizar a situação e salvar assim as empresas públicas. Do outro lado, há quem defenda que o artigo postergaria soluções ao setor. A janela de ajuste era um acordo fechado entre o Congresso e governadores.

Os dados da Abcon mostram que cerca de 250 cidades estão com delegação de esgoto vencida ou sem delegação. Os números não são acumulativos, uma vez que a cidade pode ter a água e o esgoto sem contrato vigente ao mesmo tempo, como é o caso de Salvador, na Bahia.

O levantamento foi feito com base no Diagnóstico do manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (SNIS) de 2018. Os dados de 2019 ainda não foram liberados. De lá para cá, alguns municípios conseguiram se regularizar, como é o caso de Guarujá, que renovou contrato de concessão com a Sabesp no ano passado. A aposta do setor, entretanto, é que as renovações foram mínimas frente aos desafios.

Segundo Percy Soares, diretor executivo da Abcon, o veto ao artigo traz o setor de volta à Constituição. “A Constituição diz que qualquer concessão de serviço público deve ser feita mediante licitação”, defendeu.

A primeira concorrência do saneamento após o marco legal, entretanto, mascou. O processo de entrega das propostas para o leilão da concessão de água e esgoto de Andradas (MG), município de 37 mil habitantes, marcado para o dia 17, foi suspenso por meio de uma liminar, solicitada por um empresário, alegando erros na publicação do edital e critérios supostamente subjetivos para o julgamento das propostas. A liminar foi deferida pelo juiz Eduardo Soares de Araújo, que deu 10 dias para apresentação de novas informações à Justiça. No total, nove empresas já haviam entregado os envelopes, que não poderão ser abertos.

Um dos projetos mais aguardados do setor é a parceria Público-Privada (PPP) da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em consulta pública. Segundo Soares, apenas a Cedae tem capacidade para dobrar a participação privada no setor de saneamento do Brasil, que hoje responde por 5,2% dos municípios. No total, a PPP envolve 64 cidades, divididas em quatro blocos. A estimativa é de investimentos na casa dos R$ 33,5 bilhões.

Briga

Em evento no início deste mês, governadores de Goiás, Pernambuco e Maranhão e a governadora do Rio Grande do Norte defenderam de forma enfática a derrubada de vetos do governo federal ao marco do saneamento. A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), elevou o tom e disse que os estados do Nordeste estão prontos para judicializar o tema.

De acordo com o sócio do escritório Toledo Marchetti, João Paulo Pessoa, o desafio agora do setor é a regulamentação do marco. “Um desses aspectos é a manutenção dos contratos de concessão, que vai depender da capacidade econômico-financeira da concessionária de cumprir a meta de universalização”, disse.

Ele destacou que na última sexta-feira se encerrou o prazo de consulta pública no Ministério de Desenvolvimento Regional para a elaboração do decreto. A estimativa no setor é que em até 30 dias já sejam publicadas as regras. “O ideal é que a partir da elaboração da minuta do decreto, ela seja colocada também em consulta pública para o mercado avaliar”, destacou o especialista.

O analista da XP Investimentos, Gabriel Francisco, destacou que o marco acabou retirando as companhias estatais do País de uma zona de conforto. Ele defendeu que mesmo que o veto caia, as empresas públicas de saneamento vão ter de se movimentar para conseguir vencer contratos. “Mesmo que o veto caia, a empresa terá de comprovar capacidade de investir na direção da universalização. Quanto maior a distância para se alcançar a meta, maior terá de ser a capacidade”, disse.

Do cenário de hoje até a universalização, entretanto, há um caminho longo pela frente. A meta é alcançar 99% da população com o fornecimento de água e levar esgoto tratado para 90% dos brasileiros até 2033. Há ainda a possibilidade de se postergar o prazo até 2040, desde que se comprove a inviabilidade técnica ou financeira do projeto.

O Congresso, entretanto, estaria dando um passo maior do que a perna. O presidente da Sabesp, Benedito Pinto Ferreira Braga Junior, destacou que muitas incertezas ainda pairam sobre a real possibilidade de se alcançar essa meta. “Está parecendo aquele artigo da (lei) 11.445 de que o lixão tinha de acabar em cinco anos. E o lixão ainda não acabou e estamos perseguindo isso desde 2007. Acho que esse tema vai ser muito discutido ainda”, disse o executivo, durante teleconferência para apresentar os resultados do segundo trimestre.

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