Um em cada cinco tem condição de saúde que aumenta risco de quadro grave de covid

Imagem: Fábio Vieira / Estadão Conteúdo

Cerca de 20% da população brasileira e mundial apresenta alguma condição de saúde que pode aumentar o risco de desenvolver quadro mais grave em eventual infecção por covid-19. É o que aponta um estudo de modelagem populacional que analisou as condições de saúde dos habitantes de 188 países em todo o mundo, por idade e por sexo.

A análise, publicada nesta segunda-feira, na revista Global Health, do grupo The Lancet, foi feita com base em dados de prevalência de doenças no mundo presentes no estudo Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco de 2017, também da Lancet. Os cientistas buscaram informações sobre as doenças consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por agências de saúde dos Estados Unidos e do Reino Unido como fatores de risco para um quadro grave de covid-19, como as cardiovasculares, renais crônicas, diabete e respiratórias crônicas.

De acordo com o levantamento, há cerca de 1,7 bilhão de pessoas, ou 22% da população global, com pelo menos uma dessas condições subjacentes que as coloca em risco aumentado de covid-19 grave, em caso de infecção. A taxa varia conforme a idade: de menos de 5% para menores de 20 anos a mais de 66% das pessoas com 70 anos ou mais. Entre a população em idade ativa (15 a 64 anos), o trabalho estima que 23% tenham pelo menos uma condição subjacente.

Os pesquisadores calcularam também o risco de hospitalização com base na presença dessas comorbidades. Eles estimaram que 4% da população mundial, ou 349 milhões, demandariam internação hospitalar, em caso de infecção. O quadro, mais uma vez, é pior entre os mais idosos: cerca de 20% para as pessoas com 70 anos ou mais e menos de 1% para aqueles com menos de 20 anos.

O cenário também muda conforme o gênero. Apesar de a prevalência de doenças ser parecida entre os sexos, os autores assumiram que os homens têm duas vezes mais chances de necessitarem de hospitalização se infectados. A taxa foi de 6% para eles e 3% para elas.

Como a incidência de comorbidades está muito relacionada à idade, a parcela da população com risco aumentado foi maior nos países com populações mais velhas. Na Europa, por exemplo, 31% da população se enquadra no grupo de risco de ter uma doença mais grave. Em geral, na América do Norte, 28,3% da população tem esse risco aumentado. Já na América Latina e Caribe, onde a parcela jovem é maior, a proporção é de 21,1%. Para o Brasil, o estudo indica que 20,2% da população está nessas condições. Na África, a proporção é de 16%, mas a alta prevalência de HIV /aids coloca essa população em um risco mais alto. Essa combinação pode ser a mais fatal, alertam os pesquisadores.

Distanciamento

O trabalho, porém, só considerou as condições crônicas de saúde. Não foram incluídos no cálculo outros possíveis fatores de risco para a covid-19, como etnia e privação socioeconômica. De modo que a fração da população mais vulnerável à pandemia pode ser ainda maior. Mesmo assim, os autores, liderados por Andrew Clark, do Departamento de Políticas e Pesquisa em Serviços de Saúde da Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical, defendem que os dados podem servir como ponto de partida para formuladores de políticas públicas. “Os governos estão procurando maneiras de proteger os mais vulneráveis de um vírus que ainda está circulando. Esperamos que nossas estimativas forneçam pontos de partida úteis para projetar medidas para proteger aqueles com maior risco de doença grave. Isso pode envolver aconselhar as pessoas com condições subjacentes a adotar medidas de distanciamento social adequadas ou priorizá-las para a vacinação no futuro.”

Luta

Isolamento social, uso de máscara e a sensação de não entender como uma doença grave se desenvolveu em seu corpo são elementos que entraram na vida da educadora física Paula Arcuri, de 56 anos, meses antes de o novo coronavírus mudar a rotina e causar impactos devastadores na vida das pessoas em diferentes partes do mundo. Diagnosticada com um câncer no reto em outubro, ela começou a perceber que, por causa do vírus, colegas de luta contra o câncer estavam deixando de ir ao hospital para fazer o tratamento. Paula resolveu não se abalar com a ameaça da covid-19. Ela se protege de uma doença para tentar vencer outra

O hospital onde faz tratamento, o A. C. Camargo Cancer Center, chegou a registrar uma queda de 60% nos exames para diagnóstico e para determinar a fase de desenvolvimento da doença no mês de abril, em comparação com o mesmo período em 2019. Nas cirurgias, a redução foi de 50%. De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), nos três primeiros meses da pandemia, estima-se que ao menos 70 mil pessoas deixaram de ser diagnosticadas com câncer. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) calcula que 70% das cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada não foram realizadas. Ainda segundo a SBP, houve um aumento entre 10% e 20% nas biópsias realizadas em maio, mas há serviços de referência que registram queda de 80% em relação ao mesmo período do ano passado.

Após o diagnóstico, Paula viveu momentos de medo e tristeza, mas logo se empenhou para ser uma paciente disciplinada. Quando o vírus ainda não causava adoecimento e mortes, a educadora física fazia o trajeto de casa, no Alto da Lapa, na zona oeste, até o hospital, localizado na Liberdade, na região central, de táxi e de metrô. Para se proteger, mudou a dinâmica. “Eu já estava no finalzinho da radioterapia, que eu ia todos os dias, e não precisaria mais ir diariamente. Quando começou a ter casos, o hospital entrou em contato para acertar como seriam as consultas e fui muito bem orientada. Consultas que não eram necessárias foram jogadas para frente. Minha filha começou a fazer home office e me leva de carro no horário do almoço. Ela termina às 17 horas e vai me buscar. Quando ela tem reunião, pego um táxi na porta do hospital mesmo. Todos eles estão organizados, limpam o carro.”

Isolada por causa da pandemia, Paula sente falta de viajar para ver o mar, de nadar, de ver os amigos e dos alunos. Para alguns, manda treinos e vídeos engraçados que faz com a filha. Ela está afastada da escola, onde tinha alunos de 1 ano e meio aos 18 anos. Como personal trainer, dava aula para 13 pessoas e manteve o acompanhamento online para três. Assim, conseguiu reduzir a jornada frenética que tinha, que começava às 5 horas e só terminava às 22 horas.

Paula malhava todos os dias. Por causa da doença, perdeu 15 quilos. Agora, pratica ioga e, na semana passada, começou aulas online de pilates para recuperar massa magra. Até o próximo mês, ela terá sessões quinzenais e se agarra na fé e no aprendizado que ganhou nos últimos meses para enfrentar os momentos mais difíceis. “O câncer vem para te acordar e a pandemia veio complementar tudo isso. Minha família parou mais para conversar. Tem coisa que soube da minha mãe que ela nunca tinha me contado antes. Acho que a pandemia veio pra acordar o mundo.”

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