O
confinamento imposto pela pandemia mudou os hábitos de consumo dos brasileiros
que se viram do dia para noite trancados em casa tendo de cozinhar, trabalhar,
estudar, tudo no mesmo lugar. E o comportamento de compras desse “novo
normal” se refletiu nos movimentos de preços, também turbinados pela
disparada do dólar.
Os dez subgrupos de produtos e serviços que
registraram as maiores altas de preços nos últimos seis meses foram os mais
demandados pelo consumidor. Juntos subiram em média 5,80% no varejo, resultado
equivalente a quatro vezes a inflação geral do período, medida pelo Índice de
Preço ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) do (IBGE), que foi de 1,35%.
Isso é o que revela um levantamento feito, a
pedido do Estadão, pelo economista-chefe da Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Fabio Bentes. A intenção do estudo,
que cruzou informações de vendas do varejo do IBGE com as variações de preços
medidas pelo IPCA-15, foi avaliar onde estão as maiores e as menores pressões
inflacionárias na pandemia.
“A mudança repentina de hábito dos
consumidores provocou um choque de preços relativos no IPCA-15 (a prévia da
inflação oficial)”, diz Bentes. Isso significa que houve produtos que
registraram aumento abrupto de demanda e as empresas não tiveram tempo para
ajustar a oferta. O resultado foi a alta de preços. O outro lado da moeda é
que, com a mobilidade reduzida, o consumo de produtos e serviços relacionados
caiu e os preços também. O recuo dos dez subgrupos com as maiores quedas foi de
3,42%.
Casa
O levantamento mostra que o subgrupo que reúne
TV, aparelhos de som e itens de informática foi o que teve a maior alta de
preços Entre maio e outubro, eles foram majorados em quase 18%. Bentes optou
por fazer a análise a partir de maio porque logo no início da pandemia as
empresas tinham estoque e o impacto da maior procura nos preços não seria tão
evidente.
O segundo subgrupo com a maior alta de preço
também está relacionado com a moradia, foi de eletrodomésticos e equipamentos
(8,88%), seguido por joias e bijuterias (7,2%). Móveis e eletrodomésticos foi o
segmento cuja venda disparou com a pandemia e, na sequência, material de
construção.
Fernanda Pacheco sentiu no bolso a inflação dos
eletrônicos. Logo no início da pandemia, ela, que é editora de séries, teve de
montar uma ilha de edição em casa. Em equipamentos e móveis gastou cerca de R$
15 mil. Recentemente teve de comprar mais um HD (memória extra) e se
surpreendeu. O produto, que tinha comprado por R$ 430, custava R$ 570. “O
preço subiu bastante (32,5%).”
José Jorge do Nascimento, presidente da Eletros,
que reúne fabricantes de eletroeletrônicos, admite que o setor reajustou em até
10% os preços nos últimos três meses por causa da alta dos insumos importados,
impactados pelo dólar, e dos nacionais, principalmente plástico e aço.
“Por mais que se faça esforço para entregar produto acessível,
inevitavelmente a gente acaba tendo de colocar no preço final.”
Esses aumentos de preços não espantaram o
consumidor, que foi às compras. “As vendas estão surpreendendo”, diz
o supervisor-geral da Lojas Cem, José Domingos Alves. Desde que as 285 lojas
especializadas em móveis e eletrodomésticos foram reabertas, as vendas têm
crescido 30% sobre 2019.
Estrago
A comida no domicílio foi o quarto subgrupo com
maior alta de preços no período, com elevação de 6,62%, diz o estudo. Entre os
dez itens com maiores reajustes, oito foram alimentos. O limão lidera a lista
(129,7%), seguido pelo óleo de soja (54%), arroz (42,6%). Mas aparecem tijolo
(28,7%) e vinho (25,5%).
Apesar de a alimentação não ser o subgrupo cujos
preços mais subiram no período, essa é a cesta que provoca o maior estrago no
orçamento das famílias e na inflação como um todo. “A sensação de mal
estar causada pela inflação dos alimentos nos últimos meses é muito maior do
que alta de preços da TV, som e artigos de informática”, diz o economista.
É que o consumo de comida não pode ser adiado, independentemente da falta de
renda. E pesa mais no bolso dos mais pobres.