Sem radar, Ayrton Senna e outros túneis viram pistas de racha em SP

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O barulho assusta, mas quase não dá para olhar pelo retrovisor. Num instante, ocorre a primeira ultrapassagem, seguida de outra e de uma terceira, em zigue-zague, em uma velocidade mais do que proibitiva.
Sem radar de fiscalização de velocidade, três dos principais túneis da cidade de São Paulo transformaram-se, principalmente durante as madrugadas, em verdadeiras pistas de corrida ilícitas, os rachas.

As disputas de carros ou motos nos túneis Ayrton Senna, Fernando Vieira de Melo e Max Feffer ocorrem em velocidades de até 200 km/h.
São normalmente combinadas em redes sociais ou por meio de celulares, de modo a driblar a polícia, embora também ocorram intempestivamente. Uma acelerada ou uma cantada de pneu são senhas quando racheiros se cruzam.

Acidentes não são incomuns. Recentemente, segundo o secretário municipal dos Transportes, João Octaviano, houve um capotamento no túnel Max Feffer, construído em 2004, que interliga as avenidas Cidade Jardim e Nove de Julho. “Era um racha”, afirma.
No ano passado, uma Ferrari branca bateu em um poste na avenida 23 de maio depois de deixar em altíssima velocidade o túnel Ayrton Senna.

Segundo testemunhas, o piloto, o empresário Ricardo Scalzoni, 31 , disputava um “pega” com um Porsche, dirigido pelo advogado Diogo Teixeira Macedo, 39.
Ricardo perdeu o controle em uma curva, bateu em um terceiro carro e acabou num poste. A Ferrari, avaliada em R$ 380 mil, ficou destruída.
Socorrido por Macedo, o piloto sobreviveu, após passar pela UTI do Hospital São Luís. Ambos negaram que estivessem participando de racha.

O Código Brasileiro de Trânsito estabelece multa de R$ 2.934,70 para quem é flagrado numa corrida de rua, bem como prevê a suspensão do direito de dirigir e a apreensão do veículo.
Para tentar minimizar o problema dos “pegas”, o secretário João Octaviano, da gestão Bruno Covas (PSDB), afirma que irá instalar radares nos túneis em breve -hoje há só câmeras nesses locais. “Queremos um trânsito mais seguro e com menos acidentes”, diz.
Além de “voar” pelas vias da cidade, muitos racheiros costumam filmar seus desempenhos e exibi-los na internet. No canal do Youtube DUB”Brasil (167.855 inscritos) há, por exemplo, o vídeo “Rachas de Rua # 25”.

Em dado momento, após correr pelo que parece ser a marginal Pinheiros (a velocidade é tanta que é difícil distinguir o local), o piloto grita para seu rival: “Sabe por que não gosto de correr contigo? Porque a gente é doido…”
Em outro vídeo que pode ser encontrado no Youtube (“Rachinha no túnel com Rodrigo 90”), um motoqueiro, também de maneira alucinada, dispara no túnel Ayrton Senna, no meio do trânsito carregado, no corredor formado pelos veículos. Ao final, grita “o rolezinho foi da hora”.

Em 2015, os professores Leila Jeolás e Luiz Antonio de Castro Santos publicaram na revista “Mediações”, de ciências sociais, um artigo no qual tratam dos jovens nas corridas ilegais de carros.
Segundo eles, os rachas, que nos anos 60 eram práticas de jovens “filhinhos de papais”, hoje se estenderam para todas as classes sociais.
Muitos desses jovens, diz o texto, escrito após uma pesquisa de campo realizada no Paraná, começaram a exercitar as corridas através do aprendizado ou da observação de seus pais, tios, primos, irmãos e até mesmo patrões.
“Os rachadores testam e provam, aos olhos dos pares, das garotas e da polícia, valores como audácia e coragem, próprios de um estilo de masculinidade hegemônica”, afirmam eles, no artigo.
“A sensação de domínio sobre as máquinas e de prestígio entre os pares propicia o sentimento de pertencimento e de visibilidade”, escreveram.

No final de dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo se debruçou sobre um processo que se arrastava havia muitos anos.
Em 2003, um Golf e um Marea disputaram um racha na rodovia Ayrton Senna, em Guarulhos (Grande SP), quando um deles atingiu um terceiro veículo e provocou lesões corporais de natureza gravíssima num garoto de 11 anos que estava no veículo colidido.
O menino teve quebrado o fêmur de sua perna direita. A perna esquerda, presa entre as ferragens, necrosou e ficou para sempre deformada.

“Ficou demonstrado nos autos que os acusados disputavam um racha, em velocidade incompatível com a via e praticando manobras arriscadas”, escreveu o desembargador que relatou o caso no Tribunal de Justiça. “Com suas condutas, assumiram o risco da ocorrência do acidente.”
Os pilotos foram condenados a quatro anos e dois meses de reclusão. Como o caso demorou a ser julgado, no entanto, os crimes prescreveram –e a punição foi extinta.

Reportagem: Rogério Gentile

Crédito: Folhapress

Foto: Ivanildo Porto

 

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