Quase seis meses após
decretar o estado emergência pela covid-19 no País, o Ministério da Saúde ainda
guarda em seus estoques 9,85 milhões de testes, segundo documentos internos da
pasta aos quais o Estadão teve acesso. O número é quase o dobro dos cerca de 5
milhões de unidades entregues até agora pelo governo federal aos Estados e
municípios. O exame encalhado é do tipo PT-PCR, considerado
“padrão-ouro” para diagnóstico da doença.
O principal motivo para os testes ficarem
parados nas prateleiras do ministério é a falta de insumos usados em
laboratório para processar amostras de pacientes. Isso porque, segundo informam
secretários de saúde, não adianta só enviar o exame, também é preciso
distribuir reagentes específicos.
O governo federal comprou os lotes de exames sem
ter a garantia de que disporia de todos esses insumos, indispensáveis para usar
os testes. Estes produtos não são entregues “com regularidade” pela
pasta, afirma o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Questionado, o Ministério da Saúde disse que
enfrentou dificuldades para encontrar todos os insumos no mercado
internacional, mas que está estabilizando a distribuição conforme recebe
importações de fornecedores. A pasta não explicou se recebeu algum alerta dos
técnicos, durante o planejamento, sobre o risco de os testes ficarem parados
pela falta de insumos. Também não informou quantos reagentes utilizados na
etapa de extração das amostras foram entregues.
A escassez provoca uma espécie de efeito cascata
nos Estados, que ficam com seus locais de armazenamento lotados com os testes
recebidos, e à espera dos demais produtos. “No primeiro momento não
tínhamos testes porque estavam escassos. A Fiocruz começou a produzir, além de
laboratórios privados. Aí começou a faltar tubo, material de extração, depois
de magnificação”, afirma o professor da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina. “Agora está faltando só
competência Falta só disposição do Estado para distribuir, coletar e
processar”, acrescenta Vecina, ex-presidente da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e colunista do Estadão.
Dados apresentados na sexta-feira pelo
ministério mostram que o Brasil fez 2,3 milhões de testes do tipo RT-PCR para a
covid-19, sendo 1,4 milhão na rede pública e 943 mil, na rede privada. No mesmo
período, o País fez outros 2,9 milhões de testes rápidos, que localizam
anticorpos para a doença, mas não são indicados para diagnóstico.
Como o Estadão revelou no dia 13, a entrega
incompleta do kit faz o Brasil se distanciar da meta de exames para covid-19.
Além da falta dos reagentes, o ministério entregou poucos equipamentos para
coletar e armazenar amostras de pacientes. Dados da pasta mostram que só 1,6
milhão de cotonetes (swab) e 873,56 mil tubos de laboratórios foram enviados
até a semana passada – número bem abaixo dos 5 milhões de testes.
Secretário executivo do Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de Saúde, Mauro Junqueira reforça que os testes ficaram
estocados no País pela falta de todo o equipamento para a análise. “Não
tinha o material de extração. Chegou incompleto. Foi feito um acordo e (a
compra) está sendo centralizada. (A situação) já melhorou muito nas últimas
semanas”, disse.
Técnicos do ministério chegaram a projetar que o
País realizaria 110,5 mil testes por dia, mostra ata do Centro de Operações de
Emergência (COE) da pasta, de 4 de junho. A média diária em julho, porém, foi
de 15,5 mil exames, segundo último boletim epidemiológico da Saúde.
Em ata do COE, de 4 de junho, técnicos da pasta
colocaram como “pontos críticos” a falta de insumos para coleta e
processamento das amostras.
Apesar do atraso nos diagnósticos, o ministro
interino da Saúde, Eduardo Pazuello, já minimizou a falta de testes.
“Criaram a ideia de que tem de testar para dizer que é coronavírus. Não
tem de testar, tem de ter diagnóstico médico para dizer que é coronavírus. E,
se o médico atestar, deve-se iniciar imediatamente o tratamento”, afirmou
em entrevista à revista Veja no último dia 17.
A falta de testagem se reflete no alto número de
casos sem diagnóstico adequado. Até 18 de julho, o Brasil registrou 441 194
internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sendo 213.280 para
covid-19. Há ainda mais de 80 mil internações em investigação e 141,6 mil
classificadas como síndrome “não especificada”.
Na opinião da presidente da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo, os exames encalhados no
ministério evidenciam a falta de integração entre governo federal, Estados e
municípios.
Entrega e armazenamento
De acordo com dados do ministério, obtidos pelo
Estadão, a União já fechou contratos para receber 23,54 milhões de testes
RT-PCR, por R$ 1,58 bilhão. A pasta ainda espera a entrega de 8,65 milhões de
unidades para depois repassar a Estados e municípios. Sobre o estoque de kits
parados, o Ministério da Saúde disse que os Estados “não possuem
capacidade para armazenar uma grande quantidade de insumos de uma só vez”.
E portanto, “os testes em estoque são distribuídos à medida que os Estados
demandam”.