Com o avanço das mudanças climáticas e das
previsões de que o planeta pode enfrentar em algumas décadas uma grande extinção
de espécies, especialistas têm defendido não apenas a necessidade de conservar
as florestas ainda existentes como a de restaurar as que foram desmatadas ou
degradadas.
Esse desafio, tido como complexo e caro, acaba
de receber uma ferramenta que pode torná-lo mais factível. Um grupo
internacional de 27 pesquisadores de 12 países, liderado por um brasileiro, fez
um mapeamento dos ecossistemas do planeta e calculou que a restauração de 30%
deles, em áreas prioritárias, pode evitar mais de 70% das extinções de
mamíferos, anfíbios e pássaros. Além disso, pode também absorver quase metade
do carbono acumulado na atmosfera desde a Revolução Industrial, ou 466 bilhões
de toneladas de gás carbônico.
O trabalho, publicado ontem na revista Nature,
estima que, em todo o mundo, 2,87 bilhões de hectares de ecossistemas foram
convertidos em terras agrícolas. Dessas áreas, mais da metade (54%) era
originalmente floresta; 25% eram pastagens naturais; 14%, estepes; 4%, terras
áridas; e 2%, pântanos.
A ideia não é que isso tudo retorne às condições
naturais – até porque há importantes cultivos agrícolas nessas regiões -, mas
focar a restauração onde ela seria mais efetiva tanto em termos de custo quanto
de resultados ambientais. Ou seja, salvar mais espécies e ainda retirar mais
carbono da atmosfera. Na tarefa, os pesquisadores mapearam os ecossistemas e os
dividiram conforme sua importância.
Se os países resolvessem recuperar apenas 5%,
deveriam focar as áreas vermelho-escuras; se o plano fosse 10%, já entrariam as
áreas vemelho-claras; para 15%, as laranjas; e assim por diante (veja o mapa
abaixo). De acordo com o líder do grupo, o brasileiro Bernardo Strassburg,
professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e diretor
executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, o impacto é muito
diferente conforme a área escolhida. Daí a importância de entender onde estão
as prioritárias.
“Recuperar 5% de terras em uma ou outra
região do globo, por exemplo, pode reduzir a extinção de espécies em 7% ou
43%”, diz. E o Brasil se destaca nisso, com várias áreas entre as
prioritárias, principalmente na Mata Atlântica, no sul e leste da Amazônia e no
Cerrado.
Pela análise, cerca de 200 milhões de hectares
de vegetação nativa foram convertidos no País. Restaurar 15% disso, ou 30
milhões de hectares, nas áreas prioritárias, poderia salvar espécies simbólicas
como a onça-pintada e o mico-leão-dourado. O País tem hoje cerca de 400 animais
e 200 espécies de plantas ameaçados de extinção – na lista entram o tamanduá-bandeira,
o bugio-marrom, a ariranha, a palmeira-juçara, o pau-brasil, o jequitibá-rosa e
a peroba.
Pantanal
No mapa, o Pantanal brasileiro não está
destacado, porque o estudo foi concluído antes das recentes queimadas, quando
ainda se considerava que cerca de 81% do bioma estava bem preservado.
Strassburg ressalta, porém, que a região está agora entre as mais prioritárias
para restauração.
“Em todo o mundo, as áreas alagadas, ou
wetlands, como o nosso Pantanal, estão entre as mais importantes para a
biodiversidade e para conter as mudanças climáticas – até mais que as florestas
tropicais. Se o mapa fosse refeito hoje, 1/3 do Pantanal estaria completamente
vermelho”, disse Strassburg ao Estadão. O bioma, que teve
quase 33 mil km² atingidos pelo fogo neste ano – cerca de 22% de sua área, de
acordo com o Programa Queimadas, do Inpe – era um dos últimos refúgios da
onça-pintada e de espécies como a ariranha e a arara-azul.
Relevante
“O Brasil é basicamente todo vermelho e
amarelo. Tudo aqui é muito relevante para a biodiversidade e para a regulação
do clima. Esse mapa deve ser olhado como um ativo estratégico se o País quiser
fazer parte desse mercado internacional de serviços ecossistêmicos”,
complementou o pesquisador. Ele afirma que cerca de 75% do que foi desmatado no
Brasil ao longo dos séculos se transformou em pastagens, muitas delas hoje
degradadas. “A rentabilidade de pastagem é muito modesta perto do que se
poderia ganhar com o mercado de carbono. A maioria dos lugares tem um boi por
hectare quando facilmente poderia ter três”, acrescenta.
Melhorar essas condições, avisa Strassburg, é
que vai possibilitar que a restauração seja feita sem que haja interferência na
produção agrícola. Essa preocupação foi levada em consideração pelo estudo, que
busca respostas para muitas das ressalvas que se fazem hoje, em especial no
agronegócio, sobre restauração florestal. “Resolvendo a subutilização, a
subprodutividade das áreas de pastagem, e usando melhor o que já foi desmatado,
é possível conciliar a produção com a conservação Podemos chegar ao
desmatamento zero no mundo todo, com a restauração de até 55% das áreas já
convertidas, sem afetar a produção de alimentos”, completa o pesquisador.
O trabalho foi feito sob encomenda da ONU, que
elegeu o período de 2021 a 2030 como a década para a restauração de
ecossistemas. Metas lançadas pela ONU em 2010 previam a restauração de 15% dos
ecossistemas, mas não só se falhou em alcançar essa meta como ela já é vista
como insuficiente. Estudos estimam que 1 milhão de espécies estão em risco de
extinção nas próximas décadas.