Testes e ala ‘covid free’ viram armas anticâncer


Estudos em hospitais que atendem pacientes com câncer apontaram que, com testagem e criação de vias livres da covid, é possível realizar procedimentos cirúrgicos eletivos com segurança, evitar contaminação pelo vírus e impedir que o tratamento seja comprometido ou se torne mais agressivo se for adiado. No A.C. Camargo Cancer Center, que criou um protocolo de triagem com testagem para todos os pacientes que vão fazer cirurgia, um estudo mostrou que, dos 704 pacientes que fariam cirurgia no mês de maio, 7,6% precisaram ter os procedimentos reagendados porque testaram positivo para covid-19. Tendo em vista os riscos de complicações trazidas pelo vírus nos pacientes oncológicos, o hospital estima que, graças ao esquema “covid free” conseguiu evitar entre sete e nove mortes naquele mês.

Publicada no Journal of Clinical Oncology, da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, uma pesquisa do grupo de estudos internacional CovidSurg constatou que as taxas de complicações pulmonares tiveram aumento de mais de 120% e de contaminação por covid de 71% em hospitais que não tinham alas separando pacientes de covid dos demais.

Foram analisados dados de 447 centros em 55 países, incluindo Estados Unidos, Espanha, Itália e o Reino Unido. As pesquisas comprovam a importância de se estabelecer protocolos para garantir que o tratamento de pacientes oncológicos não seja interrompido.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) e a Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) demonstraram preocupação com a queda dos procedimentos cirúrgicos nos primeiros meses da pandemia.

Um levantamento das duas entidades apontou que, entre março e junho, cerca de 70% das cirurgias não tinham sido realizadas e estimou que ao menos 70 mil pessoas deixaram de receber o diagnóstico de câncer. Segundo a SBCO, as cirurgias voltaram a crescer e, em setembro e outubro, elas aumentaram cerca de 50% em relação a agosto.

Manter o fluxo

“A gente sabia que não podia fechar o hospital durante a pandemia, porque começar o tratamento depois de 60 dias tem impacto na taxa de cura. A situação já dura bem mais que isso. Então, decidimos manter a segurança e o fluxo de cirurgias. E o pilar foi o teste para todos os pacientes, diz Samuel Aguiar Junior, cirurgião oncologista e head do Centro de Referência em Tumores Colorretais e Sarcoma do A.C. Camargo Cancer Center.

No estudo, os pesquisadores citam dados do grupo CovidSurg, segundo os quais as taxas de mortalidade pós-operatória entre pacientes infectados pela covid foi de 19,1% em cirurgias eletivas, mas pode chegar a 27,1% em pacientes com câncer.

De acordo com Aguiar Junior, a triagem com testes RT-PCR feitos dois a três dias antes da cirurgia, somada à separação de pacientes com sintomas gripais na entrada do hospital e à criação de alas para pacientes que testaram positivo para o vírus, foi fundamental para permitir que os procedimentos continuassem sendo realizados durante o pico da doença.

De acordo com o protocolo, os pacientes com cirurgia eletiva tinham ainda de manter o isolamento social. Caso testassem positivo, um novo exame seria realizado após 14 dias e, com o resultado negativo, o procedimento poderia ser feito.

Com covid-19

Diagnosticada com câncer de reto no começo do ano, Maria José Melo da Silva, de 61 anos, estava com a cirurgia agendada para junho. Quando fez o teste para covid-19, deu positivo. “Não tinha sintoma nenhum. Minha filha, meu filho, minha nora também tiveram. Estavam todos me ajudando e, nesse convívio, aconteceu de eu pegar, porque eu só estava em casa. Por sorte, não foi grave. Um ficou sem paladar, mas não teve nada de falta de ar.”

Ela esperou o intervalo determinado pelo hospital, repetiu o exame e fez a cirurgia. “Foi tudo tranquilo e não fiquei preocupada. Estava confiante, e meu estado emocional estava bom. Agora, vou fazer quimioterapia por seis meses”, contou.

Integrante do CovidSurg, o cirurgião oncológico Felipe José Coimbra diz que os estudos feitos em hospitais oncológicos apontam a eficácia dos procedimentos adotados e ajudam a nortear as estratégias nas unidades para proteger os pacientes de infecções.

Maior risco

Coimbra ressalta que “os cuidados intra-hospitalares não vão acabar e sabemos que o paciente oncológico é um paciente de maior risco”. Assim, diz ele, desde muito cedo se começou a fazer o teste e organizar a situação “para que eles tivessem um caminho paralelo e não se misturassem”.

Coimbra também é diretor do Instituto de Saúde Integral e do Centro de Referência Gastro-Intestinal do A. C. Camargo Cancer Center. “No grupo em que os pacientes foram segregados, os pacientes sem covid tiveram menos complicações respiratórias e infecções pelo vírus do que os que estavam sem segregação completa. Houve um aumento de mais de 100% na taxa de complicação pulmonar no hospital sem via de covid.”

Outro ponto avaliado foram as taxas de infecção pela covid no pós-operatório. Foi de 2,1% no grupo protegido e de 3,6% no grupo sem proteção, um aumento de 70%. “Valeu a pena fazer isso. O paciente tem direito a um tratamento com segurança e não pode esperar acabar a pandemia.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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