Jogador de futebol que não se sentir
seguro para voltar ao trabalho no Brasil pode se recusar a treinar e entrar em
campo. A CBF e as federações estaduais, juntamente com as TVs e os clubes,
discutem há duas semanas a possibilidade da retomada do futebol, principalmente
sob o prisma financeiro das competições. De acordo com o entendimento de
advogados trabalhistas com foco em atividades esportivas, no entanto, um atleta
de qualquer modalidade pode se valer do “direito de resistência ao
trabalho” para não se expor ou correr risco de morte enquanto não se
sentir à vontade em relação a problemas ambientais e naturais, como uma pandemia.
O assunto torna-se polêmico porque São Paulo
vive situação trágica e assustadora da covid-19, com maior número de infectados
e mortes do Brasil, e com as UTIs de seus hospitais perto de sua capacidade
máxima usada, de modo a não ter brevemente como internar novos pacientes de
forma adequada e digna. O cenário é bem parecido com o de outras capitais do
País, como Manaus. “O jogador não tem de trabalhar quando sua vida corre
risco ou quando ela é ameaçada. Ele é como qualquer outro trabalhador cujo
contrato é regido pela CLT. Ele tem o direito d+e se recusar a entrar em
campo”, explica o advogado trabalhista Higor Maffei Bellini, especialista
em direito esportivo.
Ele defende o caminho da transparência na
relação entre atleta e clube para solucionar esse problema. “O jogador tem
de falar isso para o seu clube, para o patrão. Tem de dizer que não se sente
seguro de voltar ao trabalho. Ele não é pago para se expor a riscos
desnecessários. Machucar-se durante uma partida, faz parte. Pegar uma doença
ainda sem cura, não.”
Segundo Bellini, esse direito do esportista está
na Constituição do Brasil, não de forma clara, mas com boas brechas para o seu
entendimento. O especialista faz algumas comparações com outras profissões.
Para ele, um motorista de ônibus pode se recusar a fazer o seu trabalho se
entender que corre risco ao dirigir um veículo cujos pneus estão
“carecas”. Da mesma forma é o jogador de futebol. “Ele pode não
querer sair de casa durante esse período de isolamento social.”
Bellini entende que nem mesmo os direitos de
imagens pagos aos atletas dão aos clubes qualquer mecanismo para forçá-los a
jogar e se expor. Para usar esse direito, os clubes podem fazer outros tipos de
ações, como lives ou eventos isolados com seus jogadores, postar fotos nas
redes sociais oficiais ou comandar peças de publicidade, diz o advogado, que
cuida da carreira de 27 jogadores de seleção brasileira e alguns mais de clubes
como Corinthians e São Paulo. “Isso sem falar do aspecto psicológico do
profissional, que pode sofrer abalos diante de todo esse cenário, de perdas de
pessoas próximas, da família ou de amigos “
O advogado do Sindicato dos Atletas Profissional
do Estado de São Paulo, Guilherme Martorelli, pensa parecido. Ele defende que o
jogador de futebol está sujeito às leis trabalhistas como qualquer outro e deve
responder por suas ações diante delas. Por isso entende que o atleta não está
totalmente seguro, caso se recuse a retomar suas rotinas como elas eram antes
do surgimento da doença. “Como seu contrato é regido pela CLT, ele se
submete às normas vigentes. Se faltar ao trabalho, é advertido, depois suspenso
e até demitido sem justa causa. Ocorre que se isso acontecer, aí a briga será
nos tribunais para saber se o clube agiu de maneira correta dentro desse
cenário atual.” Ele desconhece qualquer contrato que aborde algo que
obrigue o jogador a atuar em meio a uma pandemia.
CBF, federações e clubes negociam para retomar o
futebol no segundo semestre de maio, quinze dias depois de os jogadores
voltarem das férias. Para que isso ocorra, além de autorização dos Estados e
até do governo Federal, se for o caso, as associações e entidades terão de se
reunir com os atletas e convencê-los a trabalhar. Até agora, nenhum jogador se
posicionou sobre o assunto. Clubes como o Palmeiras, por exemplo, proibiram que
seus jogadores e membros da comissão técnica se manifestassem enquanto tudo
isso não acabar.